Aristides Gomes
No dia 17 do mês corrente e mais particularmente em nossa já tão conhecida quarta-feira de cinzas próxima passada, deu-se início à Campanha da Fraternidade do presente ano, começando, assim, o período quaresmal que antecede à celebração da Semana Santa - Paixão, morte e ressurreição de Cristo. Como sabemos pelos relatos bíblicos, esse foi o período em que Jesus passou 40 dias e noites no deserto, em jejum e orações, tendo sido tentado pelo demônio.
Ao final das celebrações eucarísticas por todo o país, incluindo-se as 02 paróquias de nossa cidade (São Manoel e Nossa Senhora do Rosário), todos os fiéis que se fizeram presentes às igrejas, puderam receber sobre suas cabeças as imposições das cinzas, mediante as mensagens religiosas: “viestes do pó e ao pó voltarás", bem como "convertei-vos e crede no evangelho". Trata-se de um tempo especialíssimo para a mais profunda reflexão sobre nossos pensamentos e atitudes nessa caminhada terrena, visando o melhor e mais saudável convívio com os semelhantes, no qual possam imperar os verdadeiros valores da justiça, da paz, da convivência harmônica e pacífica e do amor a Deus e ao próximo como a nós mesmos. A Campanha da Fraternidade deste ano apresenta como tema, "Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor". Complementando, eis o lema da mesma, "Cristo é nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade."
Segundo sabemos, o primeiro movimento, de cunho religioso, foi organizado por 03 padres responsáveis pela Cáritas Brasileira no ano de 1961, o qual somente veio a ser celebrado em 1962. Já no ano de 1963, 17 dioceses do nordeste se uniram para celebração da mesma com grande sucesso. A partir de 1964 essa campanha veio a ser encampada oficialmente pela CNBB, em parceria com o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs). Segundo nos consta, ainda, a Campanha da Fraternidade Ecumênica, vem sendo celebrada quinquenalmente desde o ano 2000, o que representa um fato marcante para uma maior aproximação entre as religiões. Essa união faz com que tenhamos em mente o ensinamento de que se deve buscar a unidade na diversidade, imbuídos no fato de que o fim precípuo que nos conduz a Deus é o mesmo: Jesus Cristo, caminho, verdade e vida.
Todo esse trabalho empreendido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e o CONIC - sempre à frente na organização, divulgação e demais partes que integram todo esse somatório de esforços para o pleno êxito ao que se propõem, demonstram a dedicação e zelo pela causa comum. Todavia, eis que somos surpreendidos por noticíários veiculados na imprensa e redes sociais, de que determinadas alas representativas da cúpula da igreja, colocam-se contrárias ao texto-base enfocado no ano em curso. Dom Gil Antônio, responsável pela Arquidiocese de Juiz de Fora, questiona o fato de que o texto-base da Campanha da Fraternidade 2021, cria situações duvidosas quanto à doutrina social da igreja e a moral cristã. Orienta, pois os senhores padres e fiéis à não participação das celebrações religiosas com a utilização do texto em questão.
Por outro lado, ainda temos uma fala com maior vigor por parte do senhor Arcebispo Ordinário Militar, com sede em Brasília, Dom Fernando Guimarães, dizendo que a quaresma não é tempo "para dialogar sobre temas polêmicos e contrários à doutrina da igreja católica." Assim, Dom Fernando teria orientado, segundo as redes sociais, para que os capelães militares se recusem à participação na Campanha da Fraternidade do presente ano, devendo, inclusive, abordarem a encíclica social "Fratelli Tutti" do Papa Francisco.
Como leigos que somos, nos colocamos numa situação triste e lamentável em momento tão singular e importante para os católicos em geral, vez que, como se não bastasse, já vivenciamos momentos de turbulências nas mais diversas esferas de nosso país, tanto públicas, como privadas, tendo agora que enfrentarmos mais um problema que vem à tona, criando um clima de polarização de ideias entre as alas conservadora e progressista da igreja. Enfrentamos há mais de 01 ano essa tão malfadada pandemia que vem ceifando a vida de milhares de pessoas em todo o mundo, deixando-nos órfãos de tudo em face das desastrosas medidas na área da saúde, totalmente ineficazes. Mas, conforme bem o sabemos, somos parte de uma igreja santa e pecadora, pela própria constituição da mesma: Divina e Humana ao mesmo tempo. Por tal razão invocamos a Santíssima trindade, Pai, Filho e Espírito Santo para o equacionamento da questão que se nos apresenta. Que a religiosidade, a espiritualidade sejam talvez a luz a ser encontrada em momentos delicados como os que ora estamos a enfrentar.
Rio Pomba – MG, fevereiro de 2021.
Aristides Souza Gomes